Luís Mariano Carneiro, administrador municipal do LiboloA poucos meses de se completarem 40 da independência de Angola, o administrador municipal do Libolo, Ex.mo Sr. Luís Mariano Carneiro, concedeu uma extensa entrevista à Rádio Kwanza Sul, na qual fez um balanço global do desenvolvimento do município nestas 4 décadas, em áreas tão relevantes como a social, económica, educação, turismo, entre outras.
 
Publicamos na íntegra o texto desta importante entrevista, conduzida pelos jornalistas Adérito Jorge e Jorge Jorge, aos quais endereçamos os nossos agradecimentos pela disponibilização da respectiva gravação áudio.

Que apreciação faz vossa excelência do município do Libolo, 40 anos depois da independência?

Quarenta anos depois, o município está alegre pelo fruto da independência que nós adquirimos. Ser livre é um ganho muito grande, ser independente, não é a mesma coisa que o regime que nós tínhamos antes. É um ganho que não tem uma comparação possível, a liberdade é uma coisa imprescindível a qualquer ser humano.

Hoje o governo tem vindo à trabalhar nos mais variados sectores para melhorar o nível de vida da população. Ao nível do município do Libolo, como é que estão no que toca à prestação de serviços sociais básicos às populações?

São três as áreas principais de maior atenção nesta fase, a educação, a saúde e outras infra-estruturas sociais de base, como o programa de combate à pobreza. No sector da educação o grande ganho foi que, comparando com a era colonial em que nós só tínhamos 17 salas de aulas, hoje, volvidos quarenta anos da independência, não obstante os problemas que tivemos com as guerras, passamos esta cifra de 17 para 140 salas de aulas. O volume de estudantes subiu este ano para 20 mil, contra dois ou três mil que havia na era colonial e de pessoas que não eram de todos estratos sociais. Ganhamos 500 professores, distribuídos por diversos níveis, contamos com a escola do 2º ciclo, que na era colonial não tínhamos. Dos 20 mil alunos que temos actualmente, 14 mil estão no 1º Ciclo – este ano foram matriculados mais 2300 alunos em relação ao ano passado.
No sector da saúde temos hoje uma rede sanitária com 17 unidades, contando com um hospital de referência com 70 camas, comparado com a era colonial em que havia um hospital com 30 camas, um médico e se calhar 20 enfermeiros. Hoje temos, portanto, 17 unidades sanitárias, um hospital, 3 centros de saúde e 12 postos de saúde.

Sem distinção, quem estiver doente pode lá ir?

Sim, sem distinção, por isso é que Angola é um país uno e indivisível, até doentes de Luanda vêm aqui, porque os serviços prestados neste hospital são mesmo de referência. Contamos com leque de 22 médicos nas várias especialidades, dos quais 21 são estrangeiros, de nacionalidade cubana a maior parte e um russo (infelizmente só temos um médico angolano). Contamos com 70 enfermeiros, e vários serviços clínicos, entre eles cirurgia, ortopedia, cirurgia para mulheres grávidas com dificuldades no parto (cesarianas), pediatria, estomatologia. Temos portanto uma gama variada. O hospital tem condições para mais, faltam-nos é técnicos portanto o ganho no ramo da saúde é grande.

Hoje quando falamos da diversidade da economia, o sector da agricultura é muito importante. Como é que estamos ao nível da agricultura aqui no município do Libolo?

Neste momento contamos com um leque de 350.855 hectares que estão a ser trabalhados por 22 cooperativas e algumas fazendas agrícolas. Estamos a caminhar num passo que ainda não é o ideal, fruto da situação de guerra que atravessamos, que fez com que houvesse um grande retrocesso na agricultura. Mas agora com 12 anos de paz, já estamos a produzir milho, feijão e mandioca nas 22 cooperativas. Para além disso temos as fazendas agrícolas de café, onde tínhamos 350, das quais 22 em funcionamento, ainda não em pleno, mas que já vão marcando um grande passo na agricultura.

A agricultura tem contribuído para o desenvolvimento do sector económico do município?

Sim, com certeza, principalmente na criação de empregos - a agricultura é um dos ramos que emprega mais pessoas. E nós somos um município extremamente agrícola, rural, onde a maior parte das pessoas está ligada à agricultura. Portanto, nós precisamos que este sector seja fortalecido com mais apoio, para que possamos efectivamente desenvolver melhor o nosso município.

Está a defender aqui mais financiamento para classe empresarial?

Sim, mais financiamento para classe empresarial. Creio que isso já está no programa do governo central, para que o município se desenvolva o mais rápido possível.

No sector da energia e águas, como estamos?

No sector da energia e águas, temos a dizer que houve alguns ganhos também. Herdámos da era colonial uma linha de 30 KW que continua até hoje e que chegava apenas à sede do município, à comuna da Munenga por onde passa, e na povoação do Mussende. Hoje, para além dessas, estendemos a rede para a comuna da Cabuta (embora só na sede ainda) e para todos os bairros de Calulo (a antiga rede atendia apenas uma franja de elite). Estamos agora na fase de construção uma nova linha de 60 KW que vem de Cambambe, estando actualmente em fase de desminagem. Essa linha terá uma subestação para 30 KW e vai-nos dar a possibilidade de estendermos a energia para outras áreas do município e melhorar as condições de energia pública e domiciliária. Portanto, neste sector também estamos bem.
Como a energia está ligada à água, digamos que neste sector ainda estamos com o sistema antigo deixado pelo colono. Mas houve alguns melhoramentos na substituição dos tubos antigos de fibra de cimento por tubos de PVC.
O projecto de reabilitação da nossa estação de tratamento de águas e ampliação da rede de distribuição aqui na vila, há anos à nossa espera, foi já autorizado por Sua Excelência o Presidente da República. Recebemos na semana passada uma equipa vinda de Luanda, da Casa Civil da Presidência da República e do Ministério da Energia, com mais de mais de 20 empresários para se candidatarem a esta obra que inclui também o alteamento da albufeira e ampliação da rede de distribuição com mais de 4000 ligações domiciliares e 5000 de torneiras nos bairros.

Em geral, estima-se que vai ser instalado uma capacidade de cerca de 9000 a 10. 000 Famílias?

Muito mais. Creio que, com a rede que a Mitrel está fazer nos bairros suburbanos, nós vamos ter uma capacidade de água para cerca de 30.000 famílias.

A nível da sede município do Libolo?

Sim, ao nível da sede do município.

E a sua implementação já tem um timing?

O que ficou aqui acordado com as empresas, foi remeterem as suas propostas, salvo o erro, até ao dia 15 deste mês.

Até agora, senhor administrador, como tem sido o abastecimento da água a população?

É aquele ainda obsoleto. O abastecimento é feito por fases porque o sistema de estucagem da água é pequeno, então tem que estar permanentemente a bombardear. Infelizmente neste momento até temos o equipamento avariado por falta de peças que não temos no país.
 
Com esta orientação do Presidente certamente que isso vai ser ultrapassado?

Claro. Esperamos que este projecto avance até final do ano, porque um projecto desta dimensão (100 milhões de Kwanzas), depois da apresentação das propostas e escolha da empresa vencedora, tem de ir para o Tribunal de Contas. Os trabalhos terão a duração de um ano em toda rede e na própria estação de tratamento.

Senhor administrador, no campo da hotelaria e turismo, como é que estamos ao nível do município?

Bom, aqui também houve grandes ganhos. Tínhamos naquela altura um hotel com cerca de 12 quatros e hoje temos no município uma capacidade instalada acima dos 180 quartos, incluindo o Hotel Fazenda Cabuta, os dois hotéis Ritz, a Pensão Tia Ká, a pensão Mavenda Express e outras.

Corresponde à procura?

Ainda não, nos dias de feriados prolongados e agora que começou o Girabola, há alturas em que ficamos asfixiados.

Senhor administrador a presença do clube Recreativo do Libolo na fina flor do futebol angolano e quiçá do futebol africano, também vai contribuir para o alavancar do nome do Município?

Não haja dúvidas! Foi um grande ganho desde que o clube subiu. Aliás foi uma das coisas que fez com que o Município saísse do anonimato. É a equipa de futebol, foi nosso Festi-Calulo também que começamos a fazer. E o Libolo hoje aparece e é conhecido a nível mundial, antes estávamos muito ofuscados. A reactivação da equipa foi um grande ganho para o nosso município.

No campo do turismo, quais são os locais conhecidos e mais visitados?

Os mais conhecidos estão ligados à história antiga, da guerra da ocupação e resistência, como a conhecida Pedra Escrita de Cassalassala e a Fortaleza. Temos também as quedas de Caculo-Cabaça que são poucas divulgadas, porque o acesso está um bocado dificultado - só se consegue lá chegar em períodos de tempo seco. As quedas do Kwanza que se chamam quedas de Caculo- Cabaça, a montanha de Caculo-Cabaça, a verdadeira montanha de Caculo-Cabaça que são os 3 morros gémeos e não o Caculo- Cabaça de que se fala sempre do Kwanza-Norte. As verdadeiras pedras de Caculo-Cabaça estão no Libolo. Temos também as cascatas no do Rio Luha na zona do Quissongo e outras paisagens que precisam ser mais divulgadas. Temos uma pedra na Munenga que denominamos bico d’águia, a exemplo doutra a que chamamos mãe grávida, ou ainda a cabeça de águia também na Munenga. Juntamente com as paisagens, estes são aspectos turísticos importantes no município.

Senhor administrador, se alguém pretender vir cá, ao Libolo investir, quais são as áreas que ele pode ainda encontrar com facilidade de investimento?

Em todas ainda, não estamos fechados a nada. Depende da competência de cada um e daquilo que pretende fazer. No ramo da geologia e minas estamos a fazer novas descobertas, por exemplo temos mais de 20 dragas a garimpar diamantes no Rio Kwanza. Temos vários minérios, descobrimos, agora, uma mina de manganês, um dos minérios muito procurado no mundo, temos granito, entre outros. Sabemos que explorar o minério leva o seu tempo, tem muitos custos, mas seria uma das formas de alavancar a economia do município.

O governo está a construir em todos os municípios do país e da província em particular 200 fogos habitacionais, como estamos a nível municipal?

Neste aspecto também tivemos um grande ganho. Antes de falar desses 200 fogos, quero dizer que durante este período também foram construídas 102 residências em três condomínios, um privado e dois do estado, para albergar os nossos funcionários e não só. Ainda contamos ter os 200 fogos, apesar da paralisação que tivemos em todo o lado. Tivemos que fazer novos contratos com novas empresas, uma das quais iniciou já os trabalhos preparatórios para a construção de 70 fogos. Dos 200 fogos temos 42 construídos, 11 em construção e a perspectiva dessa empresa construir 70 fogos. Estamos à espera de uma outra empresa que vai ficar com a construção dos restantes fogos.

São casas que certamente oferecem melhores condições de acomodação dos quadros e não só?

Sim são boas. São casas T3, casas sociais, que acomodarão não só os quadros como a juventude que é quem hoje está mais carente de casa.

Nesses anos de independência o Libolo também ganhou uma pista de aviação. A anterior da época colonial era de terra batida, mas hoje temos já uma melhorada?

De facto esse também foi um grande ganho. Nós tínhamos uma pista de 800m de terra batida, agora temos uma pista de 1350m asfaltada (com perspectivas de se estender para 1800m), com 40 de largura e com uma sala de embarque bastante digna para este município. O aeródromo é bastante bom e tem ajudado bastante, como por exemplo agora o Recreativo do Libolo que está nas competições africanas. Algumas equipas africanas têm viajado de avião para aqui, em aeronaves de 28 a 30 lugares que aterram aqui á vontade.

Como estamos em termos de ligação da sede do município para outras localidades do Libolo e do município do Libolo para outros municípios do Kwanza-Sul?

Nesse âmbito também houve um grande ganho. Durante este período foram reparadas e preparadas 480 quilómetros de estradas de terraplanagem e foi reasfaltado o troço de 42 Km, de Munenga-Calulo que tinha ainda o asfalto colonial, já muito esburacado. A estrada nacional, que eu costumo considerar a nº 1, porque era a que ligava o norte e o sul de Angola, é a primeira estrada que por terra se fazia do norte para o sul. Passava pela baixa do Kwanza, na chamada ponte Filomeno da câmara, uma ponte que foi construída nos anos de 1908, se a memória não me falha (1932). Esta estrada também começou a ser reabilitada, embora infelizmente as obras estejam paradas há cerca de um ano devido às situações económicas. Esperamos que quando essa obra terminar, traga também um grande tráfego de viaturas porque, para além de ser uma estrada pouco acidentada, é mais curta para ir para o norte. Essa estrada também vai alavancar e potenciar as fazendas que estão nessa zona.

Reclama-se hoje a requalificação da estrada que liga a sede do município à Munenga. Fala-se que a mesma se encontra em mau estado de conservação.

Sim, de facto. De uma maneira geral todas as estradas que passam aqui pelo nosso município, mesmo a nacional, estão a precisar de intervenção. A estrada Nº 120, no troço que vai da Munenga à Quibala está péssima – a que vai da Munenga ao Dondo está razoável. Tem havido todos os anos uma empresa a dar assistência, só este ano é que ainda não, por isso os buracos estão a alargar-se. Esperemos que o INEA cuide dessa situação.

Senhor administrador, para quando está a implementação do ensino superior aqui no município do Libolo, já que a juventude e não só, precisa tanto desta instituição do ensino superior?

O ensino superior é um projecto que há quatro anos me deram para anunciar num dos festivais de Calulo (Festi-Calulo), e que teria arrancado nesse mesmo ano, mas sofreu alguns constrangimentos. Hoje felizmente falo com alegria porque já vejo uma luz ao fundo do túnel, porquanto o projecto vai arrancar este ano. O terreno já foi escolhido, havia dois que estavam à espera da vinda dos técnicos para ver a implantação do projecto (dos dois ficou aquele do Dr. Venâncio). Estamos agora a tratar da sua legalização, mas entretanto os arquitectos e topógrafos já estão a fazer o levantamento para implementação do projecto que já está feito. Acredito que as obras arrancam sem falta ainda este ano. Ontem mesmo recebi aqui o futuro reitor, um professor doutor da Universidade Lins (Brasil) que vai fazer parceria connosco neste projecto.

Já se pode nesta altura falar dos cursos que vão ser aqui ministrados?

Sim, em princípio haverá 7 cursos, nas áreas da saúde humana, nomeadamente curso superior de enfermagem (que depois irá evoluir para medicina), da medicina animal com os cursos médio e superior de veterinária (médicos e técnicos de veterinária), de agronomia, de gestão e contabilidade. De início serão portanto 7 cursos, mas que poderão ser mais porque a escola também vai evoluir. A Universidade será construída com residências habitacionais para os professores e para os internos (vamos portanto receber alunos de todo o país e quiçá até de fora do país).

Em função do desenvolvimento do município, precisava efectivamente de uma instituição do ensino superior?

Com certeza. Esse é também um dos projectos que nos vai melhorar não só culturalmente e educacionalmente. A Universidade traz sempre outros benefícios, até ao nível da mentalidade das pessoas.

Para finalizarmos, conclui-se que valeu a pena a independência ter surgido em 1975?

Sim, valeu a pena, não há palavras para enaltecer os ganhos que nos trouxe a independência. Acima de tudo, como disse no princípio, é a liberdade, estarmos num país que é nosso, onde vivíamos oprimidos, e hoje estamos à vontade. Fazemos o que queremos, claro que dentro das normas da constituição e das regras morais e cívicas. Foi portanto um grande ganho.

 
 
Entrevista realizada em 13-02-2015