A “Pedra Escrita”, no bairro Dala-Uso, é considerada pelos populares do município do Libolo, um lugar histórico, marcado pelas guerras de resistências impostas pelos nativos da região, no período da tentativa de ocupação da região pelas tropas portuguesas, ocorridas durante 15 anos de confrontos sangrentos, entre 1917-1932, na qual valorosos guerrilheiros tombaram em defesa do solo pátrio.
Situada na comuna de Calulo, província do Cuanza Sul, na antiga estrada que liga o município do Libolo, a zona da “Pedra Escrita” é um lugar cercado de árvores e rochas enormes, que os nativos usavam como esconderijo e ponto de intercessão aos soldados portugueses, vindos de Massangano e Cuanza Norte, via Munenga, com finalidade de reforçar o contingente armado na Fortaleza de Calulo, durante o período de ocupação colonial.
Paulo Varanda, soba geral do município do Libolo, considera que a historia da heróica resistência dos destemidos guerrilheiros nativos da região, deveria ser ensinado nas escolas, como forma de honrar aqueles que com determinação lutaram em defesa da liberdade do povo angolano.
Aos 82 anos de idade, Soba Varanda, como é conhecido, participou em várias destas guerras de resistência contra o colonialismo e pela independência do país. Como o Soba máximo da região, com poderes para controlar os outros sobas e sobados comunais, Varanda explica que quando os portugueses chegaram a Calulo, auxiliados pelos missionários católicos, nos anos de 1890-1900, apareceram com uma política amistosa de ajudar a população, entrando em contacto com os nativos que moravam no monte, onde actualmente existe o monumento histórico, a Fortaleza de Calulo.
Nos primeiros anos, os portugueses pediam aos nativos, suplemento alimentar, como ovos, animais e legumes. Mais tarde o pedido de suplementos passou a ser uma obrigação para cada soba do bairro. Varanda conta que foi esta a principal causa da primeira guerra de resistência, entre 1912 a 1914, em que os nativos exigiam a retirada dos portugueses das suas terras, uma acção, que por desorganização de alguns sobas, foi facilmente reprimida pelos portugueses.
Diante da resistência dos nativos, de 1914 a 1916, estrategicamente, os portugueses resolveram criar o que se chamou de “pequena paz”. Durante este período, os colonos reforçavam-se com material de guerra e homens. Em 1917, o regime colonial estabelece o estado de repreensão e pagamento obrigatório de impostos e trabalho forçado.
“Com isso, os sobas dos bairros Mussende, e das comunas do Dambos, Quissongo, Mukongo e Cabuta, coligaram-se em prol da defesa da terra, tendo como ponto de referência a pedra escrita, local de intercessão do abastecimento militar aos portugueses estacionados a então Fortaleza Militar Portuguesa em Calulo”, disse. A partir daí, deu-se o início da segunda guerra de resistência de Calulo, que aconteceu de 1917 a 1932. Nela os nativos usavam como material de guerra, pedras, canhangulos, zagaias e um tipo de arma de fabrico artesanal, a “quiputula”, formada apenas por um cano, que, às vezes, na falta de munições e pólvora eram fabricados artesanalmente, usando pedaços de ferro, vidro, casca e raízes de árvore, fósforo, enxofre e salitre.
TRAIÇÃO E DERROTA
Contreiras Canhanga Muhongo, representante municipal da cultura do Libolo, contou que entre as várias histórias locais narradas pelos mais velhos algumas destacam, além do material de guerra utilizado, a bravura, baseada na tradição, dos guerrilheiros.
“Antes de irem para o combate, os nativos usavam rituais tradicionais de forma a preparar o corpo. Era uma espécie de protecção contra as armas de fogo. O ritual incluía um decreto obrigatório de abstinência total de actos conjugais e consumo de certos alimentos. Antes de emboscarem os invasores, havia um adivinho que fazia antevisão do dia dos ataques”, descreve.
No dia da emboscada, informou, a esposa do soba de Quissongo (região famosa pelas práticas de feitiçaria na época), perfilava em frente dos guerrilheiros. Mubanda, como era chamada, tinha o apelido de “Rainha da Guerra”. Entre as suas várias “missões” uma delas era transportar um balaio à cabeça, capaz de absorver e neutralizar as balas dos invasores.
A principal baixa entre os portugueses, disse, registou-se num dos confrontos, entre 1920-1922, quando foi morto o capitão português, comandante da missão, e capturou-se um pelotão de soldados, entre os quais também estava a esposa do referido capitão, que ficou sob custodia do soba Ngana Casa, da comuna dos Dambos.
Diante da assombrosa derrota, a tropa portuguesa implementou uma forte investigação para saber a causa das sucessivas derrotas diante dos nativos, que até eram fragilizados no ponto de vista do material de guerra. Para tal, infiltraram entre os guerrilheiros, um grupo de espiões formado por nativos natos do Huambo e Bié, denominados de “Candimbas”, que receberiam em troca das informações parcelas de terra na região do Mukongo.
Os Candimbas, subtilmente, ofereceram-se como voluntários para combater a resistência contra os colonos. Integraram-se nas fileiras dos nativos de Calulo e descobriram os seus segredos e tácticas. Depois começaram a provocar conflitos internos entre estes e até desentendimentos entre os sobas.
As suas acções, continuou, foi um dos motivos para os portugueses terem desferido mortíferos ataques de 1930 a 1932 e ditou a derrota e morte de vários nativos, que procuraram lutar contra a dominação colonial.
Vencida a guerra, os portugueses retaliaram a atitude dos nativos, matando em seguida os sobas que estiveram ligados à resistência e também, a partir desta data, começou o tráfico de escravos na região.
Nos finais de 1932, em reconhecimento aos soldados portugueses mortos durante o período de 15 anos de confronto com os nativos, a então Administração Municipal Portuguesa de Calulo, gravou na maior das pedras existente na zona dos confrontos os dizeres: “1917 a 1932 homenagem aos combatentes portugueses da resistência a ocupação”.
Para os populares da região, o lugar é considerado “sítio histórico” da resistência dos nativos contra a ocupação colonial, em honra aos guerrilheiros calulenses tombados e embora pouco visivel, a escrita permanece na pedra até aos dias de hoje.
O representante da Cultura disse que estão a trabalhar, com a administração municipal, num projecto que pode tornar a zona da “Pedra Escrita” num sítio histórico de interesse turístico, assim como vários outros lugares existentes na região, dentre os quais o miradouro da Fazenda Cabuta, o Forte do Quissongo, a margem do rio Cuanza na ponte Filomena, a barragem da Fazenda Belo Horizonte e o monte Quíria Matóge.
RESTAURAÇÃO
A zona de quase 200 metros de extensão está cercada de arbustos, rochas e árvores centenárias e, ainda conserva um pequeno troço da estrada que ligava à entrada da vila. Hoje, a falta de conservação do espaço é visível. A escrita na pedra é quase ilegível, em parte devido ao verde da seiva das árvores.
O administrador de Calulo, Luís Mariano Lopes Carneiro, disse que têm já em carteira um projecto para requalificar o monumento e os vários lugares e sítios de atracção turística da região, na qual também está incluída a zona da “Pedra Escrita”. A requalificação inclui o tratamento adequado do lugar e o restauro das gravuras, quase ilegíveis, devido à falta de conservação.
“A Pedra Escrita é parte de um projecto integrado com a Fortaleza de Calulo. Temos apelado aos órgãos competentes, desde o governo provincial e o Ministério da Cultura, sobre a melhor maneira de valorizar o local, como uma homenagem aos nativos tombados na resistência contra os portugueses”, disse.
O administrador esclareceu que das duas pedras escritas existentes no Libolo, a que se localiza na comuna da Munenga, sentido ao Lussusso, a escrita da mesma surgiu como sinalética na construção da Estrada Nacional 230 no período colonial, enquanto a gravada e localizada no bairro Dala-Uso, à entrada da Vila do Libolo, foi à pedra usada pelos nativos, como escudo de protecção, durante as guerras de resistência contra a penetração e ocupação portuguesa.
A administração portuguesa, explica, instituiu oficialmente a vila de Calulo no dia 31 de Janeiro de 1900. Para o responsável máximo do Libolo, a data de 13 de Junho, dia que é comemorado as festas da vila, é uma data religiosa, dedicado ao Santo António da igreja católica, padroeiro do Libolo e não corresponde ao dia da fundação instituída pela administração portuguesa.
Com vista a contextualizar a data, o administrador informou que foi achada a data instituída pela administração colonial, no dia 31 de Janeiro de 1900, como sendo a ideal para os dias actuais, mas, ainda carece de consenso dos vários sectores que congregam a sociedade Libolense, para depois se estabelecer uma data certa.
O dia 13 de Junho, consagrado a Vila é celebrado anualmente nas festas da cidade, o Festi-Calulo, que é acompanhado com a peregrinação à capela da nossa Senhora de Fátima de Calulo.
CALULO-LIBOLO
A Fortaleza de Calulo, construída entre os séculos XVIII e XIX (1893 a 1894), pelos portugueses, está situada no centro de Calulo, sede do município do Libolo e servia para auxiliar no avanço das conquistas militares contra os nativos da região, assim como facilitar o comércio de escravos.
A sua edificação teve a participação directa dos nativos. Através de trabalhos forçados e de humilhação, o que causou a perda de muitos nativos, os portugueses obrigaram os natos a carregar as pedras para a edificação do muro do forte.
Os primeiros habitantes da região inicialmente habitavam em zonas montanhosas, entre elas o bairro Luculo, que se situava no cimo da montanha onde actualmente está localizado a Fortaleza de Calulo.
Nos primeiros contactos com os nativos, após a tomada da zona, os portugueses com deficiência em pronunciarem o nome Luculo, entenderam chamar o bairro nativo de Calulo. Libolo, por sua vez, é proveniente de Lubulo, nome do antigo soba de Calulo, Ngana Lubulo, oriundo de Quiçama.
Construída no centro da vila e próximo da residência oficial do administrador colonial do município, a fortaleza é considerada um importante monumento de arquitectura militar que continua a receber o tratamento conferido no contexto nacional ao símbolo do património cultural angolano, dada a sua dimensão histórica.
Libolo é um município da província do Cuanza-Sul, a sua sede é na vila do Calulo. Tem 9000 km² e 85 mil habitantes, com base nos dados do censo de 2014. É limitado a Norte pelos municípios de Cambambe e Cacuso, a Este pelo município de Mussende, a Sul pelo município da Quibala, e a Oeste pelo município da Quiçama. É constituído pelas comunas de Calulo, Dambos, Cabuta, Munenga e Quissongo. Sita a 268 quilómetros da sede capital, Sumbe e 285 quilómetros da capital do país, Luanda.
Autor: KINDALA MANUEL (Jornal Cultura)
Artigo publicado no CULTURA - Jornal Angolano de Artes e Letras (nº 151 – Janeiro de 2018).
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